Médicos Veganos

Presidente da Associação dos Médicos Vegetarianos conta sobre os projetos do grupo e explica por que muitos médicos ainda insistem em recomendar o consumo de carne.
Por Samira Menezes

Até pouco tempo atrás, era comum vegetarianos se encontrarem em saias justas dentro de consultórios médicos, pois recomendações para voltar a comer carne eram frequentes e desanimadoras. É verdade que isso ainda acontece, mas provavelmente está com os dias contados. Criada em novembro de 2018, após alguns médicos se reunirem em um aplicativo de conversas para se posicionar contra o embarque de animais vivos no porto de Santos, a Associação dos Médicos Vegetarianos (ABMV) tem como objetivo divulgar entre profissionais de saúde, em especial médicos e nutricionistas, a alimentação vegetariana estrita, saudável e sustentável por meio de artigos e estudos científicos, palestras, seminários, workshops e congressos.

A ideia é capacitar profissionais de saúde não só no atendimento de pacientes vegetarianos e veganos, mas também na adoção desse tipo de alimentação como forma de prevenção e tratamento de doenças crônicas, como as cardiovasculares, câncer, diabetes e obesidade. Quem conta mais sobre a iniciativa e os planos futuros da Associação é a presidente Dra. Fernanda de Luca, médica pediatra com especialização em Nutrologia, que atende em seu consultório no Rio de Janeiro.

Revista dos Vegetarianos: Quantos médicos fazem parte da ABMV hoje?

Fernanda de Luca: Há cerca de um mês, começamos o processo de filiação por meio do site abmv.org. br. No momento, contamos com 34 associados, mas queremos expandir e atingir o maior número possível de profissionais de saúde, em especial médicos e nutricionistas.

Revista dos Vegetarianos: Quais são as vantagens de ser um associado da ABMV?

Fernanda de Luca: O associado tem acesso a uma área restrita no site onde disponibilizamos diversos artigos científicos comentados e materiais elaborados pelo nosso departamento científico a partir da literatura atual sobre questões relacionadas a saúde e alimentação plant-based (à base de vegetais). Além disso, o associado tem direito a descontos em nossos seminários, cursos e congressos e participa de um clube de vantagens no qual obtém descontos com nossos parceiros colaboradores.

Revista dos Vegetarianos: Além de médicos e nutricionistas, quais outros profissionais de saúde podem se filiar à Associação?

Fernanda de Luca: Médicos veterinários, dentistas, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos e todos que se identifiquem com a causa e queiram obter mais informações científicas sobre os benefícios da alimentação plant-based para a saúde, inclusive profissionais que não atuem na área da saúde.

Revista dos Vegetarianos: A ABMV dá palestras apenas para profissionais da saúde ou também para o público em geral?

Fernanda de Luca: Nosso objetivo é levar informação científica de qualidade sobre a alimentação plant-based a toda a população, mas em especial à classe médica e a nutricionistas que se tornarão nossos parceiros na divulgação da alimentação vegetariana como uma alimentação saudável, ética e sustentável. Acreditamos que quando capacitamos um médico ou nutricionista, conseguimos levar essa informação aos pacientes daquele profissional e seus familiares e a informação assim se dissemina muito mais rapidamente. Também queremos derrubar os mitos e tabus ainda hoje existentes sobre a adoção da alimentação vegetariana estrita, sobretudo na infância e na gestação. Nosso primeiro congresso está previsto para julho de 2020. Ele terá como público-alvo médicos e nutricionistas, mas queremos fazer também palestras em escolas, feiras e onde mais nos convidarem. Vamos começar por São Paulo, por ser um grande centro, mas o objetivo é rodar o Brasil todo.

Revista dos Vegetarianos: Por que a maioria dos médicos ainda não recomenda a alimentação vegana para a recuperação ou manutenção da saúde?

Fernanda de Luca: Há alguns anos, o acesso à informação científica era bastante difícil e limitado, e havia poucos artigos falando sobre os benefícios da alimentação plant-based. Além disso, no passado, muitas dietas mal planejadas eram ditas vegetarianas pelo simples fato de não incluírem a carne, criando muitos dos mitos e tabus que ainda existem hoje com relação à alimentação vegetariana. Isso pode justificar os equívocos cometidos por alguns médicos ao atenderem um paciente vegetariano. Quando falamos em alimentação plant-based, nos referimos a uma alimentação vegetariana equilibrada e baseada em verduras, legumes, leguminosas, frutas, cereais integrais, sementes e oleaginosas. Felizmente, hoje dispomos de uma vasta literatura sobre o tema. Se, no passado, o problema era a escassez de informações, agora o maior obstáculo é a divulgação desse conteúdo científico.

Revista dos Vegetarianos: Do ponto de vista nutricional, muitos estudos dizem que consumir quantidades moderadas de produtos de origem animal não faz mal para a saúde. Por que a ABMV discorda disso?

Fernanda de Luca: A OMS, em 2015, publicou um relatório colocando as carnes vermelhas no grupo das substâncias cancerígenas. O cigarro também é cancerígeno, só que nenhum médico diz a um paciente que ele pode fumar um cigarro por dia, porque isso não faz tão mal quanto fumar maiores quantidades. Gosto dessa comparação porque nos faz pensar. Todos os estudos relacionados a alimentação e doenças recomendam um maior consumo de alimentos de origem vegetal (frutas, verduras, legumes, oleaginosas) como forma de melhorar a saúde. Nunca vi um estudo sério dizer que consumir somente alimentos de origem animal melhora a saúde. O que a literatura científica tem mostrado é que quanto maior a quantidade de produtos de origem animal na dieta habitual, maiores as chances de se desenvolver doenças cardiovasculares, diabetes, obesidade e vários tipos de câncer. Por outro lado, o consumo de frutas, legumes e verduras tem sido estimulado como forma de promoção de saúde e prevenção de doenças. Todo estudo científico precisa ser avaliado com bastante critério e cuidado. Um deles comparou o consumo de grandes quantidades de carne com o consumo de quantidades menores e a conclusão foi que quem comeu menores quantidades teve melhores desfechos. Por outro lado, quem consumia junto com os produtos de origem animal, frutas, legumes e verduras teve um resultado ainda melhor. Parece piada, mas não é. E o pior é que a informação chega à população totalmente distorcida, contribuindo para a perpetuação de conceitos equivocados sobre o consumo de alimentos de origem vegetal e exaltando benefícios questionáveis sobre o consumo de carnes.

Revista dos Vegetarianos: O que fazer quando o médico manda o paciente vegetariano ou vegano comer carne?

Fernanda de Luca: Quando um médico diz para o seu paciente vegetariano que ele precisa voltar a comer carne, ele está apenas demonstrando um certo desconhecimento sobre como conduzir esse paciente. E é aí que nós da ABMV queremos atuar. Como eu sempre digo aos meus alunos, o médico não precisa ser vegetariano nem gostar do vegetarianismo, mas se estiver atualizado saberá respeitar a escolha do seu paciente e orientá-lo de maneira correta.

Revista dos Vegetarianos: A alimentação vegana é adequada para todas as fases da vida? Quais vantagens ela traz para a saúde? Existem desvantagens às quais devemos ficar atentos?

Fernanda de Luca: Uma alimentação vegetariana estrita bem planejada pode ser adotada em todas as fases da vida, sem causar nenhum risco à saúde. Essa alimentação é rica em vitaminas, minerais, fitoquímicos, antioxidantes e fibras e não contém colesterol. As fibras ajudam no bom funcionamento dos intestinos e contribuem para a diminuição dos níveis de glicose e triglicerídeos. As vitaminas e os minerais são essenciais para o bom funcionamento das nossas células e sua deficiência pode causar danos irreversíveis. As doenças que mais matam hoje são as do aparelho cardiovascular e o câncer e ambas têm alta relação com a alimentação e o consumo de carne, leite e derivados. Diversos estudos científicos mostram que a alimentação plant-based atua de maneira significativa na redução do risco de se desenvolver essas doenças e alguns hospitais inclusive já estão adotando esse tipo de alimentação para o tratamento de seus pacientes e melhoria da sua condição de saúde. A vitamina B12 é o único nutriente que não pode ser obtido em uma alimentação vegetariana estrita e, por isso, precisa ser avaliada e suplementada. Essa suplementação é bastante simples e não traz nenhum risco à saúde.

Revista dos Vegetarianos: Como adotar a alimentação vegana com segurança?

Fernanda de Luca: O primeiro passo é procurar um profissional de saúde qualificado no atendimento a vegetarianos e a partir daí fazer uma avaliação do seu estado de saúde atual, receber as orientações adequadas sobre como substituir os produtos de origem animal por alimentos de origem vegetal e iniciar as suplementações quando necessário. Adotar uma alimentação plant-based, além de muito simples, é bastante saudável, ético e sustentável. Ela só oferecerá riscos se for mal orientada.

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